A maior conferência climática da história começa hoje, em Copenhague, a capital da Dinamarca, com 20 mil delegados de 192 países, enorme expectativa e uma coleção de impasses. Os mais conhecidos pontos de tensão são as metas de redução de gases-estufa e a total falta de recursos financeiros sobre a mesa para que as nações mais pobres se adaptem aos efeitos da mudança do clima e criem economias de baixo carbono. A lista de metas é desigual, leva em conta pontos de partida diferentes e uma matemática de emissões pouco transparente. E o maior problema é que essas metas estão bem aquém do que os cientistas dizem ser necessário para evitar o aquecimento excessivo do planeta.
Os Estados Unidos, por exemplo, têm falado em cortes de emissão de 17% em 2020 em relação a 2005. O bloco da União Europeia, pioneiro na apresentação de números, promete 20% em 2020 em comparação a 1990 e 30% se " outros " os seguirem - os outros são certamente os EUA e, talvez, a China.
Mas os números americanos transportados para a mesma base indicam uma ambição bem menor que a europeia - o corte seria de 3% em relação ao que o país emitiu em 1990. Isso representa até menos do que os EUA fariam se tivessem ratificado o Protocolo de Kyoto e cumprido a meta da ocasião, de 7%.
Como cortes nas emissões têm um custo econômico, os europeus se irritam com a tímida promessa americana.
Outro ponto de atrito no mundo dos ricos é que a meta dos EUA não cobre todos os setores de sua economia - a agricultura, por exemplo, está de fora.
No front das grandes economias emergentes também há uma babel de percentuais. No mês passado, Brasil, China e Índia anunciaram sucessivamente suas propostas de redução de gases-estufa, o que faz com que suas delegações cheguem fortalecidas hoje a Copenhague.
O Brasil se antecipou prometendo de 38% a 42% de corte na tendência crescente de emissões até 2020. Isso significa 15% de redução, em 2020, em relação aos níveis de emissão de gases-estufa de 2005, e seria conseguido diminuindo radicalmente o desmatamento na Amazônia (em 80%) e no Cerrado (40%).China e Índia indicaram outro parâmetro. Pequim prometeu 40% a 45% de corte na intensidade de emissões em 2020 em relação a 2005 - trata-se de uma medida que leva em conta o custo energético por unidade de PIB. Acontece que, se a China mantiver o ritmo de crescimento econômico da última década, suas emissões crescerão 130%, o que é uma catástrofe para o clima. "Isso quer dizer que se trata de um esforço pequeno para a China? Certamente não" , diz Tasso Azevedo, consultor do Ministério do Meio Ambiente do Brasil. "Mas não é suficiente para o planeta. E, se não existirem metas mais ambiciosas, não vamos conseguir alcançar o que o mundo precisa" , conclui ele.
Na semana passada, ao anunciar as metas indianas, o ministro do Meio Ambiente da Índia, Jairam Ramesh, traduziu parte do impasse que existe quando os países apresentam seus números. "As emissões per capita indianas são muito baixas, as de vocês (os países ricos), muito altas" , disse. Cada indiano, segundo dados do governo, emite 1,2 tonelada por ano. Isso é quase 25% da média mundial, o que explica a resistência do país em prometer metas, mesmo em base voluntária. A Índia anunciou uma redução na intensidade de carbono (uma medida que relaciona a emissão de gases-estufa por unidade de PIB) de 20% a 25% em 2020 sobre os níveis de 2005.
"A Índia não causou o problema do aquecimento global, mas em Copenhague queremos mostrar que somos parte da solução" , disse Ramesh usando as mesmas palavras habituais aos membros do G-77, o heterogêneo grupo dos países em desenvolvimento mais a China. A Índia deve perseguir seu compromisso com padrões obrigatórios de emissões veiculares em 2011, um monitoramento constante do estado de suas florestas ("que absorvem atualmente 10% das nossas emissões", segundo o ministro) e reformar metade das suas usinas térmicas a carvão para que passem a usar "tecnologias limpas".
A África do Sul anunciou ontem que quer cortar 34% de suas emissões, em 2020, em relação à tendência crescente de um país que ainda tem que se desenvolver para tirar sua população da pobreza em que se encontra.
Pelos industrializados, a maior promessa é a da Noruega, de 40%.
Mas todas as metas, em conjunto, são muito inferiores ao que a ciência diz ser necessário para combater as mudanças climáticas. Segundo o relatório do IPCC, o braço científico da ONU, divulgado em 2007, a redução de gases-estufa feita pelos países ricos deveria ser de 25% a 40% entre 2013 e 2020.
Como as previsões dos efeitos do aquecimento parecem estar acontecendo mais rápido do que o previsto, muitos cientistas, ambientalistas e também o grupo do G77 mais a China pressionam por reduções de 40%. Pelos cálculos do WRI, o World Resources Institute, uma espécie de think-tank das energias alternativas, as propostas apresentadas até agora indicam uma redução de apenas 10% a 24%.
"Ainda precisa ser avaliado o impacto das declarações dos países sobre a meta estabelecida em Áquila" , diz Luis Gylvan Meira Filho, pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Ele se refere ao compromisso assinado em julho deste ano por líderes do G8 e das grandes economias, na Itália. Ali, acertaram segurar a mudança do clima em 2º C em 2100, o que evitaria grandes catástrofes climáticas." Mas, pelos números que tenho visto, estamos indo na direção correta."
"Trata-se do velho jogo de pôquer de sempre" , avalia Marcelo Furtado, o diretor executivo do Greenpeace-Brasil.
Nos últimos movimentos dos países, o mais surpreendente, na sua avaliação, foi a promessa japonesa, que saltou de 8%, em junho, para 25% com o novo governo. "É muito interessante para ilustrar como a política tem a ver com a questão climática. No Japão não foi a economia que mudou. Ali o que mudou foi a liderança" , afirma ele.
Mais de 100 líderes são aguardados em Copenhague na semana que vem, para dois dias de cúpula. Espera-se que, com sua chegada, o clima esquente na gélida capital dinamarquesa.
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